O MEU FABULOSO IRMÃO IV Por CT1DT

  

Quando eu nasci em 1927, a casa de meu avô era cheia de coisas estranhas, além do complexo material de medicina, onde se podiam ver várias caixas cromadas de diversos tamanhos e inclusive uma enorme, pois continha os ferros com que meu avô se tinha de munir, nalgum parto mais complicado.
Aquela sala nos Ginetes, era pois sala de espera para os doentes, sala de tratamentos e operações, marquesa para análise dos doentes e frascos, muitos frascos.
Mas além desta “tralha” toda, num canto da sala, estava um grande mas estreito armário com portas de vidro, onde se podiam ver duas belas espingardas e uma carabina.
Verdade seja dita que nunca soube o que pensariam os doentes que todos os dias entravam naquela sala, ao verem aquelas armas…
Mas uma coisa era certa, desde criança que eu me habituei a ver armas, a pegar-lhes e a ajudar a carregar centenas e centenas de cartuchos de caça.
Uma coisa é certa, mesmo com aquelas armas mesmo ali à mão, tanto eu como meu irmão, tínhamos-lhe muito respeito e até passávamos um tanto ao largo.
Meu avô tinha imensa habilidade para o tiro e dizia que todos os anos, tinha de fazer mais de 500 tiros de treino, nem que fosse aos imensos morcegos que abundavam naquele sítio, ao cair da tarde.
Para dois garotos na idade da escola primária, só nos restava a hipótese de “fazer fogo” com fisgas e outras esquisitas “armas” que íamos inventando, nem que fosse para fazer tiro ao alvo ou vermos se conseguiríamos acertar nalgum estorninho.
Para o tiro, desde esta tenra idade, meu irmão Carlos sempre mostrou uma habilidade enorme e mais tarde, já homem, até gostava de exibir a sua habilidade em tiros difíceis.
Um certo dia, com os seus 16 anos, ele já tinha conseguido obter uma bela pistola de ar comprimido e “delirava” mostrar a sua habilidade.
Eu tinha tanta confiança na sua pontaria, que um dia agarrei um tampinha duma garrafa de refrigerante e, vendo meu irmão a limpar cuidadosamente a sua “arma”, caí na asneira de lhe dizer: “Olha, acerta aqui “, enquanto eu segurava a tampinha com o dedo indicador dum lado e o polegar do outro. Estávamos a uns 5 ou 6 metros um do outro.
Ele carregou “a arma” apontou cuidadosamente, enquanto eu fazia o possível por não tremer a mão, mas como estávamos na rua, e eu era muito leve, possivelmente uma pequena rajada de vento, fez-me tremer, no que resultou que o tiro acertasse uns milímetros ao lado, em cheio no meu dedo polegar, que logo começou a jorrar sangue…
Enquanto e me estava a torcer com as dores, ele acompanhava o evento, a rir-se, como se aquilo tivesse tido alguma graça… Ele era um bom gozão !!!!
Esta sua habilidade para o tiro, já vinha de família, pois meu avô foi considerado o melhor caçador da ilha de S.Miguel durante muitos anos e também meu pai fazia o seu jeito.
Um dia, e eu tinha cerca de 10 anos, estava sozinho em casa e vi um bando de pombos bravos a pousar num terreno próximo, pelo que sabendo já carregar a caçadeira calibre 16 do meu avô, lá fui ao armário das espingardas, agarrei dois cartuchos e aí vou eu com todo o cuidado para não assustar os pombos e para que ninguém me visse...
Passados poucos minutos, eu estava a uns 20 metros do pombo mais próximo e por entre os caniços, vai de apontar aquela pesadíssima arma para mim, apontei e…pimba !
Só que eu não estava nada à espera do coice que aquilo dava e caí de costas, com a arma a apontar para o céu, enquanto o ombro me doesse como o diabo…
Todo a tremer com o som do brutal estampido que eu nunca tinha ouvido de tão perto dos ouvidos, lá me levantei e para grande satisfação, ainda vi um pombo a bater as asas, mas para meu espanto, era um outro que estava um pouco mais longe…
“Fogo alto”, pensei eu na minha ignorância, mas lá fui buscá-lo e passados poucos minutos, já o estava a depenar na cozinha, perante o espanto da cozinheira !
Aquilo é que ele me soube bem !!! E tinha sido caçado por mim !

Em Angola, muitos anos mais tarde, meu irmão no seu Observatório da Mulemba, recebia constantemente visitas de muitas crianças acompanhadas dos encarregados de educação, pessoas a que meu irmão sempre tinha a paciência de explicar como aquilo funcionava.
Os seus brilhantes olhos azuis hipnotizavam toda aquela pequenada, que se deliciava a ouvi-lo contar as proezas das experiências, dos mergulhos no Oceano, das maravilhas do Universo, etc. e no fim, como gostava muito de tocar em piano Charlie Kunz, levava para a sala aquela miudagem toda para que eles vissem que até mesmo, sem se saber musica, se poderia tocar lindamente.
Nessa altura, já Angola estava em grande turbulência, e meu irmão não deixava de ter sempre à cintura um belo revólver sempre carregado.
Mas no meio do seu “concerto” a miudagem arrancou numa grande gritaria e até saltando para cima das cadeiras, apontavam para um canto, onde uma ratazana apareceu.
Meu irmão que havia parado de imediato “o seu concerto”, rodou o banco do piano e, vendo a ratazana, mesmo assentado, sacou do revólver e, num segundo, fez explodi-la, enquanto a miudagem serenava. Então meu irmão voltou a fazer rodar o banco do piano e continuou o seu “concerto”, como se nada tivesse acontecido…

 


Mário Portugal Leça Faria,  CT1DT

ct1dt@sapo.pt

 


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 Página "O meu fabuloso irmão IV" actualizada em: 23-07-2008
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