O MEU FABULOSO IRMÃO Por CT1DT

  

“Sais daí vivo ou morto… escolhe?”

Aquele grito de raiva de meu pai, de espingarda à cara e a apontar ao cimo daquela alta árvore, onde meu irmão se tinha aninhado como um macaco assustado, deixou-me completamente apavorado! À volta de meu pai estava a minha mãe, minha avó, meu avô e alguns criados, também todos apavorados com o que poderia acontecer daí a alguns segundos, porque a contagem de tempo se tinha iniciado já: 5….4…3….2….1…. mas aí, meu irmão, muito lentamente, começou a descer a árvore, já pensando no novo castigo por que iria passar….
Mas, mal pôs os pés no solo, foi coberto pela benevolência da minha mãe que, sabendo perfeitamente que protegendo meu irmão, iria entrar em conflito com meu pai, preferiu arriscar.
Meu irmão Carlos, a que por graça, minha mãe tinha junto o nome de MAR e, porque era de nome Bettencourt e meu pai, Faria, assim ficou baptizado como Carlos Mar Bettencourt Faria, tinha somente 13 anos e já meu pai exigia dele o máximo, tendo-o obrigado a fazer um desenho de máquinas que nessa época só se podia fazer à tinta da China e por profissionais.
Depois de meu irmão ter estado todo o dia a tentar fazer o seu melhor, e todo vaidoso o ir mostrar a meu pai, ficou horrorizado ao ouvi-lo dizer que aquilo estava “uma porcaria”… Meu irmão agarrou o desenho e rasgou-o em mil bocados, pondo-se em fuga, sem que ninguém tivesse dado por isso, menos eu, para cima duma árvore das muitas que rodeavam a casa dos Ginetes, na ilha de S. Miguel, e ali permaneceu algumas horas, até que foi descoberto e avisado meu pai, do perigo em que ele estava…
Ainda não sei se aquela escolha do nome MAR, teria tido ou não alguma influência na sua vida, mas já nessa altura ele sabia nadar e sempre viveu até à sua brutal morte em Angola, junto do mar. Esta procura incessante da água do mar, fez dele um exímio caçador subaquático, tanto em S. Miguel, como na ilha da Madeira, no Continente e em Angola, exercício que lhe proporcionou uma tremenda capacidade pulmonar, dado que a pesca submarina assim o exigia.
Meu irmão foi sempre um apaixonado pelo extremamente pequeno ao extremamente grande, desde as análises microscópicas feitas com um microscópio por ele construído, ao exame dos corpos celestes, também com um enorme óculo astronómico por ele construído quando em Angola, no seu Observatório Astronómico da Mulemba.
O seu enorme entusiasmo pelas ciências, levou-o a colaborar intensamente com a NASA, tendo sido convidado a entrevistar astronautas, nos EUA. e muitos observatórios à volta do Mundo. Ele, com os seus faiscantes olhos verdes, sempre procurou atingir o máximo da perfeição em tudo quanto se metia a fazer e exibia as suas habilidades ao tiro de precisão, à pintura, na electrónica, na radioastronomia, na oficina, na fotografia, na aviação, na musica…etc.
A sua imponente vivacidade e entusiasmo por aprender, acompanhou-o desde muito criança, quando se atirou dum altura de 10 metros, agarrado a um guarda-chuva, para cima dum monte de palha. Com 12 anos já havia aprendido o Código Morse e viria a tornar-se um furioso trabalhador das comunicações via rádio em comunicações de longa distância à volta do Mundo, usando a sua estação de rádio amador, com indicativos CT1UX e CR6CH.
Toda a sua vida foi acompanhada de episódios de coragem e tenacidade por responder a muitos problemas que outros não tinham conseguido resolver.
Ele sempre queria ficar por cima, doesse a quem doesse, o que lhe veio a acarretar certos dissabores na vida social.
Ele sempre usou a sua habilidade para procurar uma vida mais digna e fez a sua vida militar em Tavira, a desenhar em pormenor, as peças de imensas armas de fogo, facto por que foi muito admirado pelos seus superiores e o libertou dos violentos exercícios militares.
Quando tinha 14 anos e ingressou nos Escuteiros na Ilha da Madeira, onde já ensinava o código Morse, a construção de aviominiatura, a caça, o desenho e a pintura, as radiocomunicações, um dia foi destacado para guarda de honra à última visita àquela ilha, de Baden Powell, o fundador do escutismo mundial, e nesse mesmo dia, abandonou desesperado, o escutismo…
Ele só fazia o que lhe dava gosto, pelo que ficou muito conhecido em Angola, pelos imensos programas radiofónicos em que ele colaborava em directo, do seu Observatório, pelo telefone.
Em 9 de Julho de 1976, corre a brutal notícia de que ele havia sido assassinado à facada, no seu Observatório, na Mulemba, em Angola, por um grupo de negros.
Desde essa já remota data, amigo como eu era dele, extasiado pelo seu hipnotizador e verde olhar, vivo a recordar as centenas de histórias que com ele passei durante os primeiros anos da nossa juventude, com a certeza de que ele foi mais um “que da lei da morte se libertou” como teria dito Camões.


Mário Portugal Leça Faria,  CT1DT

ct1dt@sapo.pt

 


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 Página "O meu fabuloso irmão" actualizada em: 23-07-2008
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